Um tímido nunca deveria se apaixonar

sábado, fevereiro 24, 2007

Eu tenho um ódio terrível daquelas pessoas que dizem: ”Você precisa sair”. É obvio, é claro, me diz uma coisa que não sei, me diz uma coisa que eu possa fazer. Falam isto como se fosse a tarefa mais fácil do universo. Pode até ser, para um extrovertido, não para um tímido como eu. Nada me irrita mais do que isto. E o pior é o sofrimento que sinto. Não poder sair, não poder ter amigos, não ter nenhuma vida social, muito menos uma namorada, não ir para bares, restaurantes, shows, espetáculos, boates, etc... E ainda as pessoas querem ou esperam que eu faça tudo isto absolutamente sozinho. Alguém vai para estes lugares sozinho? Mas eu que sou tímido, extremamente tímido, sou obrigado a ir sozinho e começar de uma hora para outra a falar descontroladamente e perder a timidez instantaneamente, só se eu tomasse um porre. Eu, o tímido, preciso competir em pé de igualdade com os extrovertidos, na casa dos extrovertidos. É isto o que querem de mim. E como não posso. E não tenho esta capacidade em mim ou grande força...

Então isto significa que nunca vou arranjar uma namorada. Nunca mesmo. Pois nunca vou conseguir sair. O tímido, este mentecapto eterno, deveria nascer sem a capacidade de amar, sem a capacidade de sentir solidão. O tímido deveria ter um embotamento emocional crônico, e principalmente, nunca se apaixonar. Para mim, não existe emoção mais terrível e perniciosa do que a paixão. E infelizmente eu me apaixono invariavelmente deste o prezinho e de lá para cá nunca mais parei de sofrer. Mesmo que a paixão seja uma erupção de descontrolada de emoção, ela, apesar de ser poderosíssima, não consegue nem ao menos arranhar a minha timidez. Sempre tive paixões platônicas nunca correspondidas, e a maioria absoluta das mulheres por quem me apaixonei nunca ficaram sabendo de nada, nunca tive coragem de me declarar pra ninguém. E mesmo se declarasse a minha paixão iria desistir imediatamente no primeiro não. Não ficaria insistindo como os extrovertidos fazem. Por isto, e por outras coisas deveria existir uma lei criada por um Deus piedoso que proibisse terminalmente a um tímido de se apaixonar. Um tímido, como eu, nunca, em nenhuma hipótese deveria se apaixonar, nunca, nunca, nunca, mil vezes nunca...

E o tímido, ou toda pessoa como eu, só deveria ter desejos anti-sociais. O tímido, ao ver uma pessoa, bonita ou feia, deveria vomitar de nojo, deveria ter uma ojeriza do tamanho do universo por qualquer pessoa. Nunca um tímido deveria ter nenhum sentimento de amizade por ninguém, nunca se afeiçoar por ninguém, não ter nenhum tipo de sentimento por ninguém... Se apaixonar é mil vezes pior que a abstinência por cocaína, ou por qualquer outra droga, e ninguém merece sentir uma dor colossal como esta.

Todos os tímidos que existem no universo deveriam só sentir prazer por livros, musica, pelo estudo, pelo trabalho... O tímido deveria ser obcecado por estas coisas. Ao ver um livro chorar de tanta emoção e ao ler sentir um êxtase espetacular. Ou então ser obcecado pelo trabalho, nunca, nunca, nunca, por relacionamentos afetivos. O escritor tímido deveria pensar 24 horas no seu trabalho e o seu único prazer seria este; assim como o pintor, ou qualquer outra profissão que o tímido escolha. O tímido deveria ser feliz, imensamente feliz, por tudo aquilo que não é uma pessoa e somente por tudo aquilo que ele consiga obter, ou que a timidez lhe permita fazer. Qualquer coisa que fosse o contrario disto deveria ser barrado implacavelmente. Se existisse um Deus piedoso esta seria a vida própria para o tímido.

Não esta vida “reprimida”, sentir desejos imensos, grandiosos e nunca, nunca, nunca, poder saciar estes desejos. É um milhão de vezes, para o tímido, mais fácil destruir estas emoções e estes desejos que imploram para ser saciados, do que vencer a timidez. A timidez é mais forte e poderosa do que todo o universo junto. A timidez congrega todas as forças de todas as estrelas do universo e de tudo o que existe e que não existe no universo. Quem é tímido sabe que existe uma multidão dentro dele querendo sair. O tímido, apesar de parecer único não é único, é uma constelação de espíritos. No mínimo, é sempre dois seres, um sempre está vigiando o outro... censurando, analisando, recriminando, julgando... Se Deus fosse tímido, nem Ele, mesmo sendo onipotente, onisciente e onipresente, conseguiria derrotar a timidez.

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