Não me esqueça num canto qualquer

domingo, outubro 14, 2007

Não sei se existo fora de mim, com certeza, só existo em mim mesmo. Fora de mim sou um nada. Um nada que sofre como se fosse tudo. E a ausência deste tudo me faz tão falta, que nem mesmo o nada que sou consigo ser. Se o tudo fora de mim, não me incomodasse, não me criasse tantas expectativas, e esperanças frustradas, se este tudo não me fizesse querer ter este "tudo" e eu me satisfizesse-me com este "nada" que eu sou, se fosse, eternamente feliz sendo este nada, e o tudo, lá fora, não me criasse tantos desejos insatisfeitos que nunca poderão ser plenamente saciados, então, só assim eu seria totalmente feliz. Mas como não posso, como não consigo.... resta-me o pesar diário, e as velhas mágoas acalentadas, e tudo aquilo que os meus olhos colocaram a sua visão e desejaram, e eu sofro por não ter, por não ser... Se os meus olhos deixassem de ver, de querer, e eu me satisfizesse com este meu universo interior barato, pequeno e ridículo, se este nada, que habita em meu ser, fosse um tudo, que acalmasse o meu coração que chora por que não é; sofro de carência afetiva mórbida e crônica. Quem não vem de hoje, e nem surgiu ontem, mas que começou quando freqüentava o prezinho. Quando me olho no prezinho, vejo um garotinho triste, acanhado, pregado na parede, olhando as crianças brincar, com mil risos multicoloridos, e eu colado na parede sem coragem de sair, e querendo sair, chorando por dentro, com uma lacuna tão grande, um meninho inseguro que ninguém entendia, e que hoje se transformou, infelizmente no que sou.

Só peço a você um favor
Se puder
Não me esqueça num canto qualquer

Não há solução para esta dor. Não sei quantas caras eu tenho. Ter "caras", não significa ser mentiroso, hipócrita, ter "caras" significa criar uma situação, muitas vezes inconsciente, que nós nem nos apercebemos para conquistar algo que é essencial a nossa sobrevivência e para obter é necessário ser um outro ser, um outro eu, que nunca deixará de ser o que somos, e sempre seremos. Tenho uma cara que precisa ser "eternamente carente", porque devido a visão de insignificância que eu tenho de mim mesmo, e diante do meu complexo eterno de inferioridade, não consigo ver nenhuma outra maneira de conquistar alguém, ou de ter uma amizade, se não for pela piedade. Se sentirem dó de mim, talvez as pessoas gostem um pouquinho de mim e me de um pouquinho de atenção, e eu ficarei um pouquinho feliz; eu sei que isto não é o correto. Eu deveria ser um "SUPER". Este "SUPER", só consigo ser, quando o tablado se veja, e as cortinas se abaixam, e na solidão erma e negra, idolatro um ser "onipotente". Que é um delirio consciente de minhas ambições que não consigo externar. Mas que em meu subconsciente, em meu interior utópico e delirante ganha forma e se torna um "ser superior". Lembro de um desenho animado que ilustra mais ou menos isto. Era assim. Existia um sapo, um sapo feinho e sem nenhuma qualidades, então uma pessoa encontra este sapo escondido, num lugar escuro. Então, o sapinho sem graça, pega um cartola e uma bengala e começa a dançar e a cantar maravilhosamente bem. E o homem fica espantadíssimo, com a exibição do sapo. E pensa vou ficar rico. E organiza um grande espetaculo. Coloca cartazes por toda a cidade, dizendo: "Venha ver a exibição do grande sapo cantor". E todos vão ao teatro, morrendo de curiosidade. Então a cortina do teatro sobe, e surge o sapo, caido molemente ao chão, coachando como um sapo normal, sem nenhum atrativo. O homem fica desesperado e faz de tudo pro sapo dar o seu espetaculo. Tudo em vão. Todos os espectadores vão embora, vaiando o sapo e o homem que lhe prometeu um espetaculo incrivel, miraculoso. Quando todos desaparecem, e o teatro fica vazio, só o homem e o sapo; então o sapo se levanta e começa a cantar e a dançar maravilhosamente bem. E é exatamente assim que me sinto. Quando estou sozinho, sem tensão, sem nervosismo, sem encucar, sem as preocupações, a a ansiedade e a angustia; quando fecho-no no meu quarto e ninguém para me ver, começa o meu "espetaculo". Ai sou um rei, um "SUPER-HOMEM", com todas as qualidades, e com toda a sabedoria, tenho um milhão de assunto, um milhão de interesse, sou alegre e comunicativo, comigo mesmo, se é que alguém pode ser comunicativo consigo mesmo. Faço uma grande revolução um grande espetaculo, fantástico, com humor, tristeza, melancolia, aventura, drama, tragédia, um grande filme que tem todas os elementos necessário para ser uma obra monumental, cheio de inteligência, bons ideais, sensibilidade, filosofia, um figurino soberbo, uma história envolvente, enfim, tudo... Mas isto só ocorre no meu quarto, ou, no meu interior, onde ninguém pode ver só eu. Não mostro pra ninguém por medo do ridículo, do escárnio, da humilhação, da incompreensão... Quando o palco se abre, e eu estou no meio do publico, do espectador, e as pessoas estão me olhando, me transformo num ridículo sapo, feio, gordo, e desengonçado, que as vezes coacha e chama este coacho de voz. E é exatamente assim que sou. Não há pior tristeza no mundo do que não se assumir, do que se esconder de si mesmo, de não ter coragem de expressar seus desejos, suas vontades, seus ideais; e calar, e ouvir, e não participar, ficar ao lado, ao leu, na margem esquerda do coração de todos, como diz a música. "Não me esqueça num canto qualquer"

Há outras caras em mim, além daquele que chora por amor, e se faz de coitadinho o tempo todo, e daquele, que é um antídoto para o primeiro, o "SUPER-HOMEM", o herói, que a antitese do primeira, feito para contrabalancear o eterno desequilíbrio do meu ser. Há uma cara, um ser que me olha, me vigia, em meu interior. Este é o sargento-mor, um tirano cruel e sanguinário, perfeccionista ao extremo, mandão, exigente, para ele nada está suficientemente bom, e se faço um erro, por mais insignificante que seja, ele me condena, ele me trancafia num quarto escuro, e me tortura, atraves, de criticas, e palavras rudes que destroi a minha alma, e é de tal jeito violento, que caio na cama, exausto, chorando, depressivo, me considerando o pior ser do universo, cansado, remoido, um caco, melancolico, querendo por fim a minha vida, e esta é a minha vivencia deste personagem em meu interior. Depois, há um santo que é um reflexo do coitadinho, que diz: "Sofro mesmo, mais vou alcançar a salvação no final". É o eterno mártir, o Cristo, que sofre e que vê uma salvação, num outro plano. Há também o nada, o zero, um ser que surge só quando estou na rua, no meio da multidão e não estou ninguém quando estou solitário, e um espelho de como acho que os outros estão me vendo, como um nada, um zero... Me dá uma estranheza no ser, um sentimento grandioso de despersonalização, como se em meu ser houvesse um vácuo enorme, um vácuo doloroso, extremamente doloroso. Há outro seres em mim. Sempre um tentando contrabalancear o outro. Peco sempre pelo extremo. Em meu interior, ninguém vê isto, só eu, há duas correntes furiosas que se chocam, e eu estou no meio deste choque sendo castigado eternamente pelos dois lados; e eu, no meio destas correntes, fico perdido, as vezes vou pra um lado, depois pra outro, mas nunca saio do mesmo lugar, nuca progrido, não consigo nunca estabilizar este meu ser turbulento...

Ser não há fuga de seu cárcere, não há fuga para o ato de pensar, o ato de ser; devemos, infelizmente, nos suportar, nos aturar, uma pessoa chata, nos isolamos, nos criamos uma estratégia para nós livrar dela; em nós, não há como escapar, temos que nos suportar, com todos os nossos sofrimento, dores, e inabilidade em se relacionar com o outro e principalmente conosco mesmo. Se pudéssemos fugir, se pudéssemos nos concertar instantaneamente, como num passe de mágico. A vida é uma experiência torturante, para quem não sabe viver, para todos aqueles que não sabem se compreender, para todos aqueles, que por um motivo ou outro, não consegue se relacionar com o outro com tranqüilidade, calma e contemplação, para todos que estar na presença do outro é uma torturante sessão de angustia, medo, insegurança, tensão, inquietações, mil preocupações. Que sempre se resume em: "Sou amado, serei aceito, incondicionalmente!?"