Eternas crises de um moribundo

domingo, abril 29, 2007

A diferença entre estar bem e estar mal é mínima. Quem não tem olhos de lince não pode perceber a diferença. Os meus olhares são tão profundos que captam, inconscientemente, a menor oscilação, seja ela qual for... E nisto pode residir o meu fracasso como ser ou o meu sucesso e salvação. Quem tem um coração que é um abismo infinito, sabe muito bem do que estou falando, a carência é um buraco que cavamos dia a dia, ou que cavam por nós, através de todas as exclusões que sofremos e todos as humilhações que passamos, perdemos a capacidade de nos amarmos e de nos julgar importantes. E reprimimos os nossos desejos, porque achamos que não somos merecedores de obter a mínima felicidade. Nos comprazemos com as nossas infelicidades e nos tornamos reféns de nos mesmos, e ficamos em transe diante de nosso sofrimento e não conseguimos ver nada além deste sofrimento, gera, em nós um prazer mórbido e auto-destrutível. E neste ponto, cresce lado a lado a carência, o complexo de inferioridade a passividade e vamos nos acomodando dia após dia e quando percebemos vivemos mas dentro de nós só há morte e estagnação, em vida, o que é mais doloroso. Apodrecer e não sentir que estamos apodrecendo é uma coisa, mas apodrecer e sentir esta estagnação e outra coisa totalmente diferente. Ser tímido é uma das piores coisas que existem no universo. É querer ansiosamente uma coisa, um objeto, uma sensação e não fazer nada para conseguir, ficar saboreando do lado de fora do espelho, com água na boca, e a barriga roncando de fome, e reprimir o desejo... reprimimos nós mesmos, a nossa vontade e motivação e vivemos como um zumbi, esperando que uma força estrangeira nos salve de nos mesmos e nos ensine a viver. E isto é terrível, e ninguém, que não sofre isto pode compreender o grau de infelicidade interna. Ter vontade de ir no banheiro, fazer necessidades fisiológicas, e reprimir a vontade, por se achar sujo; ou querer comer um alimento saboroso e não pegar ficando olhando e se sentir frustrado por não conseguir saciar a sua fome, ou estar terrivelmente apaixonado e não ter coragem de pelo menos tentar namorar a pessoa, ou querer conversar algo que lhe atormenta e não ter iniciativa para pedir ajuda, porque pensa que todos querem o seu mal ou não se importa com você... ou ter medo de aborrecer os outros e se anular para não criar rivalidades, ou desfazer uma minúscula gota de amor... Viver eternamente pedindo desculpas por existir, como se a sua existência fosse um terrível engano, uma maldição, como se tivéssemos que pedir desculpa pela imundice e pela falta de talento e brilho que existe em nós, e ajoelhar pedindo clemência, por uma lata de lixo ambulante, estar circulando entre seres magnânimos e cheios de qualidades, e nos imaginarmos totalmente despidos de qualquer valor... Somos uma maquina de reprimir, que nasceu antes de nos tornamos conscientes, e somos vitimas e co-autores destas circunstâncias; não conseguimos sair e ansiamos por uma liberdade que talvez nunca tenhamos, e dentro de nós a estagnação se faz presente. Não conseguimos fugir deste ciclo sem fim, e acabamos por morrer sufocados engolindo o nosso próprio vomito e sangue derramado. Estava vendo filme e perguntava o que os outros estavam fazendo, e me sentia aprisionado e não podia sair, precisa ver o filme até o fim, graças a Deus a solidão não foi total, porque ainda existia uma luz brilhando ao meu lado.... Desci meio atordoado e me sentindo excluídos, meio proscrito, estava meio triste e a crise estava crescendo em meu peito, fiquei parado e não conseguia me movimentar como me movimentaria normalmente, fiquei sozinho na cozinha e a crise aumentou um pouquinho, depois uma luz brilhou um pouquinho e fiquei um pouco mais feliz... Depois fui embora da cozinha e fiquei na sala, plantado feito um dois de paus, me sentindo um idiota, sentei um pouco e a solidão, a carência aumentou... então me chamaram para jogar, a dor ainda existia e estava lá ainda, mas estava tentando contornar a situação, então por um deslize meu, ou não, senti que não era mais necessário, e que a minha presença não era importante para jogo, me senti substituído e sem lugar, deslocado e excluído. Abaixei a cabeça e quando isto ocorre é uma situação quase definitiva e dolorosa, a sorte do meu dia estava lançada e todos os sentimentos de carências brotaram... estava com raiva de mim, e frustrado por não saber me impor e lutar pela minha existência, tomar partido, ter iniciativa, tinha muito ódio de mim... então me auto-isolei para me imunizar e me fechei completamente. Fiquei triste, amuado, sorumbático, concentrado em meu sofrimento e me deixei ser levado como uma folha seca e velha. Algumas pessoas tentaram me animar, algumas desistiram logo de inicio, outras insistiram um pouco mais, estava muito fechado, não olhava para as pessoas, não expressava emoção, não me movimentava, e fiquei parado feito uma estatua... Sai da cozinha para a sala, para não perturbar uma conversar particular, me senti mais excluído, como se fosse uma pessoa de segunda classe, que não poderia ouvir certas palavras, ou um idiota, não é culpa das pessoas é culpa totalmente minha... Acho que as pessoas não gostam de conversar “serio” comigo, e só presto para conversar amenas, lights, e bobas, onde exista uma riso solto e descompromissado, as pessoas não querem ter uma ligação mais acentuada comigo e fico restrito a assuntos corriqueiros do cotidianos, como se fosse uma criança ou alguém que não tem discernimento... talvez seja impressão injusta minha. Porque só consigo enxergar a minha realidade e as minhas enormes carências, e quando estamos presos em nossas carências só conseguimos ver elas, não é ingratidão, é um defeito nosso, interno, meu no caso... porque também não valorizo as coisas boas que existem dentro de nós. No fundo só conseguimos ver o que existe em nós, e as pessoas não tem nenhuma culpa. Fiquei neste estado por algum tempo, sem vontade, com o corpo mole e sem vida, sem expressar movimento... totalmente fechado. Um sorriso candido, angelical, de uma moça desconhecida, desperto em mim uma grande emoção, talvez este sorriso não era pra mim, no entanto, pensei que era para mim, pelo menos em parte, e isto fez brilhar mais uma luizinha em mim, dizendo que alguém se preocupava comigo, uma pessoa que nunca antes tinha me visto, isto amenizou a minha dor e trouxe um pouco de leveza em meu estado de espírito, dissolveu um pouco do lodo que se acumulava na minha alma. Quando cheguei em casa tive uns acessos de infelicidades, mas a minha cachorrinha Dandara, pulou no sofá e me lambeu, isto também trouxe um pouco mais de alento ao meu sofrimento, quase consegui expressar um sorriso... Então a crise passou, mas o sofrimento represado, as carências, as necessidades que não foram satisfeitas, as vontades não saciadas, a péssima auto-imagem que nutro por mim, ainda está aqui em meu coração, esperando o momento oportuno para dizer “Oi!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”

A carência é como se fosse uma espécie de miopia que nos impede de ver a realidade, pintamos a realidade com cores negras que refletem o nosso interior; se não há nenhuma luz brilhando em nosso interior, se estamos vazios e meios mortos por dentro, veremos isto fora de nós, uma imagem distorcida do mundo interno que habitamos... E por mais que os outros nos dão amor não conseguimos enxergar isto, e queremos sempre mais, e se o nosso diabinho interno não é saciado ele nos incomoda e passamos a querer a manipular a realidade externa ao invés de buscar uma solução em nós... Desviamos o olhar. Estas crises que eu sinto eram muito mais profundas antigamente, ficava o tempo todo neste estado catatônico, sem olhar para ninguém e sem conversar, respondia com monossilábicos ou com um gesto da cabeça; apesar das crises serem amenos preciso tomar cuidado porque elas podem aumentar gradativamente e me dominar inteiramente, e voltar ao estado anterior ou pior. Hoje já me sinto mais confortável do que antigamente, e já consigo relaxar quando estou próximo das pessoas, antes ficava tenso o tempo todo e transpirava muito nas mãos, hoje, posso me dar o “luxo” de ter as mãos secas quando estou próximo de pessoas...

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